
O último dia de trabalho do Seminário Mundial de Artes Negras, permeado por valiosas reflexões, se encerrou com o propósito primeiro muito bem cumprido: a assinatura de um documento, no fim do evento, garante a vinda do Festival Mundial de Artes e Culturas Negras (Fesman) para Minas Gerais em 2017.
Credito: Asscom/SEC
Durante todo o dia, mais uma vez com o espaço do BDMG completamente ocupado por um público atento e participativo, os convidados das mesas, vindos de várias nações do mundo, se debruçaram sobre o leque de assuntos que abarca a causa dos africanos e afrodescendentes.
A negação do ensino ao povo negro foi um dos pontos abordados em falas de alguns dos palestrantes. Segundo a secretária de Estado de Educação, Macaé Evaristo, a Lei de Cotas no Brasil é um corretivo para esse fato histórico. “Uma legislação do fim do século XIX, que trata da educação, restringia o acesso dos negros ao ensino. É essa profunda distorção que a Lei de Cotas veio sanar”.
A antropóloga e cineasta dos EUA Sheila Walker completa o raciocínio: “Por que proibiram a educação aos afrodescendentes? Porque não podiam ter o próprio conhecimento. Não eram livres para fazer o próprio modo de pensar”.
Como uma ação paritária da Lei de Cotas, Fabian Antony, empresário haitiano, apresentou seu projeto de reinserção social do negro. “As mesmas filosofias que adoto como empresário, aplico no meu ativismo social. No meu trabalho, foco em três frentes: 1) Interação (incentivo ao amor próprio, sentimento de pertencimento à raça, 2) Ativismo (passeatas, uso das redes sociais) e 3) Empreendedorismo (o jovem negro como protagonista das suas capacidades, desenvolvimento de produtos, feiras de exibição de talentos, workshops)”.
Negro é sujeito, não é objeto
O afrodescendente como protagonista de suas realidades é uma afirmação como humano e pertencente a um inacabável processo cidadão, indo na contramão da dominação epistemológica imposta a este povo em toda a história. Para Diógenes Dias, professor da Rede Afro Venezuelana, “o negro é um sujeito de direitos, e não objeto de trabalho ou de estudo ou de estupro. Não somos instrumentos de colonizadores”.
A professora Vanicleia Silva Santos, do Centro de Estudos Africanos da UFMG, corrobora a mesma visão. “Os escravizados são sujeitos da história. Viveram reagindo através de revoltas, formação de quilombos, entre outros movimentos. As festas africanas não são somente folguedos e alegrias, mas espaços políticos e de negociação de liberdades”.
Vanicleia Silva Santos completa que afrodescendentes tanto são sujeitos que importamos deles técnicas agricultoras, processos de extração de minérios, de fundição de ferro, entre outros modos de fazer.
Além do que se vê: uma África em prosperidade crescente
Michael Ologusun, da Nigéria, trouxe aos participantes números, dados e atualizações de informações quanto à África que traça novos paradigma e panorama para o continente. “Nos últimos dez anos a renda per capita dos nigerianos aumentou 30%. A África é o continente que mais cresce, com o PIB que mais aumenta.
Segundo o nigeriano, estima-se que cada africano tem em média três celulares. O acesso à internet ajuda a redefinir sua história e a se reposicionar no mundo global; um verdadeiro processo libertário e evolutivo. A transformação interna e a interação entre países do continente possibilitaram aos africanos vislumbrar diferentes realidades. As cidades africanas tem se tornado metrópoles. A população africana vive em grandes cidades e não mais em aldeias.
Sustentabilidade, economia e desenvolvimento
Como medida urgente para uma transformação atual, bem como para ser um legado deixado a cidadãos por vir, o seminário também se dedica à tríade: sustentabilidade, economia e desenvolvimento.
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Para a vice-governadora da província de Luanda, na Angola, Jovelina Imperial, o tema transita por várias disciplinas que estão no cerne das preocupações dos países. “São três conceitos interligados que promovem desenvolvimento adequado que se perpetua para próximas gerações. Sustentabilidade vai além, pois abrange além do meio ambiente, a conservação do homem como ser humano”.
As perspectivas para o Fesman 2017
Para Michael Olosegun, Coordenador do Instituto de Arte e Cultura Yorubá, “o Fesman reforça o compromisso do Brasil com sua população negra e com o continente africano. Reafirma a parceria que já existe e que é frutífera. Esse festival não é só de artes, mas de militância. Para recolocar a diáspora africana de novo no eixo global”.
“Temos que nos reconhecer como iguais na africanidade e não como estrangeiros, por isso, para o Festival acontecer aqui, acho que diversas nacionalidades, além de africanas, devem estar presentes, desde que imersos no espírito negro”, pensa Sheila Walker.
“O Fesman deveria ser realmente contextualizado com a contemporaneidade e a conjuntura do povo negro em encontro com a década dos afrodescendentes”, afirma Gilberto Leal, da Coordenação das Entidades Negras – Conen.
Compromisso firmado: Fesman 2017 em Minas
No documento, denominado Carta de Minas, autoridades públicas, entidades da sociedade civil, movimentos sociais, instituições de ensino, artes e ciências do Brasil, de países da África e das Américas, reunidos no seminário resolvem: realizar o Festival Mundial das Artes e Culturas Negras, em outubro de 2017 no Brasil, em Minas Gerais.
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A coordenação é do Governo de Minas Gerais - por meio das Secretarias de Estado de Cultura, de Educação, de Direitos Humanos, Participação e Cidadania, e da Assessoria de Relações Internacionais. Todas as entidades e personalidades signatárias dessa carta passam a constituir um Conselho Consultivo com as funções de atrair novos participantes e difundir globalmente o Fesman.
A realização do festival almeja mundializar o debate sobre o conceito da cidadania universal, afirmando os valores de igualdade e justiça em contraposição ao padrão sexista e racista predominante.
Entusiasmado com o acontecimento, o secretário de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo, comemorou a assinatura do documento. “É com satisfação que tive a honra de firmar esse compromisso que é uma síntese do que aqui realizamos. Traça também os próximos 16 meses para pensar a causa. O Governo de Minas Gerais, os outros secretários de cultura do Brasil e as universidades estão unidos e reunidos para o brilhantismo do acontecimento do Fesman no próximo ano”.
Texto de abertura da Carta de Minas, redigido por Marcos Cardoso, do Comitê Curador do Seminário Mundial de Artes Negras e da Coordenadoria Nacional das Identidades Negras - Conen:
“Precisamos soldar com o aço de Minas uma ponte por sobre o Atlântico, não mais com navios negreiros, mas o Atlântico Negro conectado ao continente africano por meio da fibra ótica, por uma extensa rede de comunicação mundial afrodiaspórica, formando uma opinião pública internacional afro-centrada, que intervenha junto a governos e instituições, que atue como um elemento ativo de concertação e pressão a favor dos povos afrodescendentes no mundo inteiro”.