“Philippe Vallois: cartografias do desejo” apresenta um panorama da carreira do prestigiado diretor francês. Programação, que conta com sete trabalhos do cineasta, masterclass sobre sua trajetória e celebração aos 74 anos de vida do realizador, acontece gratuitamente de 19 a 25 de agosto, no Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte
Com cinco décadas de carreira e aproximadamente trinta trabalhos realizados, o cineasta francês Philippe Vallois ganha pela primeira vez no Brasil uma mostra dedicada à sua extensa e pungente trajetória. “Philippe Vallois: cartografias do desejo”, realização da Fundação Clóvis Salgado e da Embaixada da França no país, apresenta, de 20 a 25 de agosto, no Cine Humberto Mauro, um panorama das obras do prestigiado diretor e leva ao público cinco longas e dois curtas metragens. Além de um passeio pela filmografia do realizador, considerado o pioneiro do cinema LGBT+, o evento vai contar com uma masterclass ministrada por Vallois, que pisa pela primeira vez em território brasileiro, e também com uma noite de celebração para comemorar os 74 anos de vida do artista. A programação é gratuita e também estará disponível com exclusividade, de 26 de agosto a 26 de setembro, na plataforma cinehumbertomauromais.com.
Os longas “Johan” (1976), “Nós Somos um Só Homem” (1979), “Halterofilia: a serpente arco-íris” (1983), “Um perfume chamado Said” (2006), “O círculo dos pervertidos” (2016), e os curtas-metragens “Paris à Noite: Republiqué Bastille” (1976) e “Segredos de Filmagem” (2006) integram a programação, que vai contar com a presença do diretor durante o período da mostra. Com tradução simultânea para o português, Vallois irá ministrar, no dia 23 de agosto, às 19h30, no Cine Humberto Mauro, uma masterclass sobre sua trajetória no cinema. E em 25 de agosto, a partir das 22h, nos jardins internos do Palácio das Artes, o diretor celebra seu aniversário de 74 anos junto ao público do evento.
Pela primeira vez no país, e tendo a primeira mostra dedicada ao seu trabalho em território brasileiro, Philippe Vallois acredita que sua linguagem cinematográfica está mais alinhada à estética do cinema latino que à linguagem de seus conterrâneos. “Esta é a primeira vez que estarei no Brasil e espero, claro, que meus filmes interessem às pessoas. Sinto minha obra mais próxima do cinema espanhol e latino-americano do que dos trabalhos realizados por diretores franceses. Faço filmes sentimentais e sensuais. Os filmes franceses são mais intelectuais ou literários”, conta Philippe Vallois.
Para Bruno Hilário, curador da mostra e gerente do Cine Humberto Mauro, o trabalho de Vallois preenche uma lacuna importante na cinematografia francesa, principalmente no que se refere à população LGBT+. “O cinema de Philippe Valllois nasce com um desejo muito forte de encontrar aquelas imagens que foram negligenciadas, excluídas, faltantes no cinema francês, que é marcadamente heteronormativo. As imagens de seu cinema se ancoram na realidade dos povos em sua dimensão diversa, partem de um real pouco visto e se desloca para o sonho, para a imaginação de um mundo diferente para si e para todos. É uma obra universal, tocante para cinéfilos de qualquer cidade”, pontua Bruno.
Do realismo documental ao surrealismo – as múltiplas linguagens de Vallois
Dentre os destaques da programação está o pioneiro “Johan”. O longa, filmado em 16mm, estreou no Festival de Cannes de 1976. A obra experimenta diversas formas fílmicas (som e imagem), costurando diferentes métodos do fazer cinematográfico. “Ao mesmo tempo em que parte de um senso realista absoluto, característico das práxis documentais, “Johan” culmina em sequências de pura fantasia. Este foi considerado o primeiro longa-metragem realizado por um diretor assumidamente homossexual na história do cinema francês”, explica Bruno Hilário.
“Johan” sofreu inúmeras censuras e teve várias cenas suprimidas à época do lançamento, dificultando a circulação e apreciação do trabalho. “Fui o primeiro diretor a ousar a abordar a homossexualidade. Existiam diretores que não falavam abertamente que eram gays e que faziam somente personagens heterossexuais. Todos os meus amigos me falaram que eu era louco por abordar uma personagem como Johan, e que ninguém me deixaria trabalhar novamente”, Vallois.
Em meados dos anos 2000, quando uma cópia sem cortes de “Johan” é encontrada, o filme obtém repercussão e tem sua relevância reconhecida. “Os dias atuais mudaram bastante, personagens LGBT+ estão em todos os lugares: no cinema, na televisão, documentários, séries, festivais. Isso prova que os gays são mais aceitos hoje do que nos anos 70”, reflete o diretor.
“Nós Somos um Só Homem”, de 1979, é outro trabalho significativo presente na mostra. Com uma narrativa que se ancora na visibilidade de pequenos gestos de carinho, o longa-metragem propõe um olhar acerca do relacionamento que emerge lentamente entre dois homens entrincheirados em lados opostos da Segunda Guerra Mundial. “O amor e os desejos da carne superam as dificuldades de comunicação. Em termos de estética e linguagem, o trabalho se aproxima dialeticamente do romance e do surrealismo”, avalia Bruno Hilário.
Como representante da produção recente do diretor, “O Círculo dos Pervertidos”, de 2016, se insere dentro da comédia dramática. A obra apresenta dois personagens que se encontram em diferentes situações na vida. O filme reforça a magia do encontro e as transformações que podem surgir a partir da força dos sentimentos entre os indivíduos. “Não realizo apenas cinema gay. Produzo coisas que me instigam, como dança, envelhecimento, adoecimento e cinema. O que me interessa nos meus filmes gays não é reivindicar minha homossexualidade, acima de tudo é falar sobre amor e a sexualidade por meio da minha experiência”, esclarece Vallois.
A mostra “Philippe Vallois: cartografias do desejo” é uma realização da Fundação Clóvis Salgado e da Embaixada da França no Brasil. Para Vincent Nédélec, adido do Serviço de Cooperação e Ação Cultural para o Estado de Minas Gerais da Embaixada da França no Brasil, “ao mapear a sensibilidade presente na obra do artista, a mostra tece um espaço comum para que se possa conhecer suas fontes de inspiração e o ineditismo de sua trajetória cinematográfica”. Nédélec ainda acrescenta que “Vallois tem salutar importância estratégica e histórica ao abordar a homossexualidade em um período ainda hostil à temática, caracterizado pela vivência da sexualidade às escondidas. No esteio da retomada das atividades presenciais, a vinda do cineasta a Belo Horizonte e Juiz de Fora ressalta o nosso compromisso com o livre debate de ideias, bem como a promoção e o respeito à diversidade em suas variadas expressões artísticas”.
“Agosto Multicor”, em Juiz de Fora, rece parte da mostra “Philippe Vallois: cartografias do desejo”
Além do Palácio das Artes, parte da programação da mostra “Philippe Vallois: cartografias do desejo” será realizada em Juiz de Fora (MG). O trabalho do diretor francês será exibido de 16 a 19 de agosto no Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) e integrará a programação do evento “Agosto Multicor”, que tem como objetivo democratizar o acesso à produção educativa e cultural LGBT+, promovendo o intercâmbio entre artistas locais e internacionais. O “Agosto Multicor” é uma realização da Secretaria de Turismo de Juiz de Fora, parceira da mostra. Philippe Vallois e Bruno Hilário estarão presentes na cidade para uma série de debates com o público local, além de participarem das demais atividades do Agosto Multicor, como o 40º Miss Gay Brasil e Rainbow Fest.
De acordo com Marcelo do Carmo, Secretário de Turismo de Juiz de Fora, “a parceria é de suma importância para a Prefeitura. Ela representa a aproximação entre a Embaixada da França - através da filmografia do cineasta Philippe Vallois, a SECULTMG - através da Fundação Clóvis Salgado, a Aliança Francesa - Juiz de Fora e a Prefeitura de Juiz de Fora. Poder exibir parte da filmografia do cineasta Philippe Vallois, que aborda questões de gênero e de identidades, em meio a um programa que se chama ‘Agosto multicor’ é reiterar o papel da cultura como vetor de desenvolvimento e de inclusão social”.
Philippe Vallois
Nascido em 27 de agosto de 1948, na cidade de Bordeaux, na França. Em 1967, Philippe realiza o média-metragem poético “Oraison Floraison”, premiado em um cineclube amador de Bordeaux. Em maio de 1968, Vallois muda para Paris com o pretexto de entrar para a escola Louis Lumière (antiga rua de Vaugirard). No verão de 1969, Vallois vai para o Marrocos e realiza estágio com Marlon Brando. Em seguida, aceito na escola Louis Lumière, produz o argumento para o curta-metragem “Elisa repeats”. Posteriormente, o diretor tem diversas experiências de filmagens, entre elas com Bernard Lefort, Jacques Scandelari e Nestor Almendros.
No início de 1975, Philippe conhece Johan, que o inspira a realizar o segundo trabalho de sua carreira. Mesmo com baixo orçamento, o diretor de fotografia François About concorda em participar da produção de forma gratuita. O longa-metragem é filmado em 16mm e costura diversos métodos do fazer cinematográfico. No ano de 1976, “Johan” é selecionado para o festival de Cannes, e exibido na seção Perspectivas do Cinema Francês. Mesmo tendo boa repercussão devido ao festival, a obra é censurada e consequentemente obliterada. “Johan” é considerado o primeiro longa-metragem realizado por um diretor assumidamente homossexual na história do cinema francês.
“Nós Somos um Só Homem” (1979), filme com repercussão internacional, possui uma narrativa que se ancora na visibilidade de pequenos gestos de carinho que emergem lentamente entre dois homens em lados opostos da Segunda Guerra Mundial. O filme foi selecionado para o festival de Chicago e também distribuído em salas de cinema de Paris.
Sem ganhar dinheiro com seus trabalhos, Philippe recorre a produção de filmes industriais. Dentre os patrocinadores estão Mobil Oil , Rhône-Poulenc , Renault, Citroën, Coca-Cola e Michelin. Mesmo atuando com publicidade é possível reconhecer o estilo próprio do diretor nos comerciais.
Nos anos 2000, o filme “Um Perfume Chamado Said” é dirigido por Philippe. Com uma produção de baixo orçamento, o longa-metragem tem uma narrativa inovadora, onde as linhas entre documentário e ficção se mesclam. Philippe Vallois conta, em primeira pessoa, sobre as experiências de um homem intelectualmente maduro por um jovem pobre de outra cultura.
Em 2008, o filme “Esprit es-tu là?", dirigido por Vallois, integra a mostra paralela no Festival de Cinema de Veneza, concorrendo ao Queer Lion. A seleção do prestigiado festival reflete a maior visibilidade que o cineasta adquire a partir da virada do século.
Bruno Hilário
Graduado em Cinema e Audiovisual pela UNA (Belo Horizonte). É gerente curador do Cine Humberto Mauro, principal cinema público de Minas Gerais, trabalhando na curadoria e produção de mostras de Cinema. Participa desde 2009 da equipe de produção do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (FESTCURTASBH), sendo coordenador geral do evento, que chega a sua 24ª edição em 2022. Atuou como produtor executivo do filme Nimuendajú (longa-metragem, 80 minutos, 4k, Salic: 100264), produzido pela ANAYA Produções Culturais e co-produzido pela CineZebra (Alemanha) e Apus (Peru). Foi produtor da série Felicidade, contemplada no edital FSA PRODAV 04/2013. Produtor executivo do longa-metragem de ficção “Fragilidades”, em processo de desenvolvimento de roteiro. Ator e Produtor em diversos espetáculos teatrais produzidos pela Companhia de Teatro de Belo Horizonte, seu mais recente trabalho é a peça “Capitão Fracasso”, indicada a 5 categorias no PRÊMIO COPASA / SINPARC 2019, incluindo melhor espetáculo.