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Noiva do Cordeiro abre as portas para festival gastronômico inédito

 

Essa seria mais uma manhã na peculiar comunidade Noiva do Cordeiro, na região de Belo Vale, município do Território Metropolitano. Não fosse o aumento da demanda pela pimenta biquinho. O ingrediente, que faz parte da história do povoado e garante parte do sustento dos cerca de 300 moradores, será também a estrela em muitas das receitas do primeiro Festival Gastronômico Noiva do Cordeiro.

“A gente nunca pensou que nossa comidinha fosse para um festival”, comenta orgulhosa a cozinheira Odete Fernandes, umas das responsáveis pela alimentação de toda a comunidade.
O evento acontecerá nos dias 24 e 25 de novembro, na fazenda distante cerca de 100 km de Belo Horizonte. E foi definido coletivamente pelos moradores, como a maioria das decisões tomadas por lá.

“Nós funcionamos como uma grande família. Na conversa, a gente escolhe o que come, a hora que come, com o que se trabalha e como se faz, entende? A liberdade para ser o que cada um quer é a dádiva desse paraíso. E a maioria achou a ideia do festival muito boa para nosso desenvolvimento. Então, estamos juntos nessa” comenta Rosalee Fernandes, uma das filhas da matriarca, dona Delina Fernandes.
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Crédito: Gil Leonardi/Imprensa MG

Apoiado pelo Governo do Estado de Minas Gerais por meio de uma rede de colaboradores e financiadores, coordenados pela Secretaria de Estado de Turismo (Setur-MG), a estratégia faz parte do Projeto Minas Mostra Minas, que prevê ações individualizadas para grupos com potencial de turismo cultural a ser aperfeiçoado. Técnicos da Setur fazem um levantamento das necessidades de cada localidade e criam soluções específicas.

“A tradição culinária da Noiva do Cordeiro, por exemplo, era enorme, mas não havia dinheiro nem metodologia para fazer um festival gastronômico. Visitantes não pagavam pela hospedagem e nem a alimentação. Ajudamos a elaborar a proposta e conseguimos os R$ 38 mil do edital da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Fizemos oficinas de qualificação técnica em turismo, empreendedorismo, logística de eventos e engajamos chefes de cozinha que auxiliaram voluntariamente na elaboração dos pratos” explica Nathália Farah Laranjo, assessora de Gastronomia da Setur-MG.

Ainda segundo Nathália, a expectativa é que o festival atraia mil pessoas. Haverá ainda shows para mostrar os talentos artísticos dos moradores, como o coral, além de Keila Gaga, a cover da Lady Gaga, e os sertanejos Márcia e Maciel.

A comunidade está animadíssima com o desafio de criar novos sabores. Os pratos serão desde aqueles do dia a dia, como a galinhada e o umbigo de banana com pimenta biquinho, até os elaborados especialmente para a festa.

“A ideia foi valorizar a pimenta biquinho que tempera a comida e as relações na fazenda. O resultado foi uma mistura surpreendente de sensações”, revela a curadora gastronômica voluntária no projeto, Juliana Starling.

A experiência vai além da proposta comercial, como conta a moradora Márcia Fernandes. “A riqueza daqui é nosso modo de viver que aparece no jeito que a gente cozinha e recebe os visitantes. O que estamos aprendendo agora é transformar nossa cultura em renda, sem deixar de lado nosso jeitinho, né?”.

História e tradição

O jeitinho a que se refere Márcia é o modo de vida comunitário e isolado estabelecido há mais de um século. A Noiva do Cordeiro surgiu no início da década de 1890, quando Maria Senhorinha recusou um casamento arranjado e fugiu com Chico Fernandez, de Roças Novas, outro vilarejo da região. A união deles repercutiu mal. Eles foram excomungados pela Igreja, e isso os forçou a viver isolados. Assim construíram o casarão Noiva do Cordeiro.

Muitas pessoas começaram a procurar o local por curiosidade ou quando tinha desentendimentos sociais. Com a chegada desses novos integrantes e o crescimento da família, os trabalhos domésticos e agrícolas foram distribuídos segundo o interesse e a aptidão. Com a convivência, foram estabelecidas normas de conduta que têm como base o respeito à opinião do outro e o diálogo.

Hoje, pelo menos três gerações convivem nos cerca de 40 hectares (equivalente a 40 campos de futebol). Há uma casa sede, onde moram 123 pessoas. E outras cerca de 180 vivem nas 80 casas espalhadas pela propriedade.

A maioria dos homens trabalha nas cidades de Belo Vale e Belo Horizonte. As mulheres e jovens, cuidam da horta e das criações de animais de ondem vem parte da alimentação. O restante da comida é comprado por quem estiver com menos tarefa na semana. As seis refeições são feitas coletivamente e quase sempre na mesma hora.

 

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Crédito: Gil Leonardi/Imprensa MG

 

Uma parte das pessoas limpa a casa. Quem prefere cuida das cerca de 30 crianças. Há uma escola instalada desde 2006 dentro da fazenda que conta com o reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) para funcionar. Os professores são os moradores habilitados para dar aulas de educação infantil e fundamental.  Quem escolhe estudar além do básico frequenta as escolas regionais.

Os mais velhos monitoram o plantio, a colheita e a separação da pimenta executados pelos mais jovens, servindo de importante momento de transferência de saber.  “Quando estou colhendo troco experiência com quem viveu mais que eu. Com a pimenta tô vivendo”, revela sabiamente Josiele Fernandes, 31 anos.

A biquinho é vendida in natura e ainda na forma de molhos. O condimento era plantado para consumo. Presente em pratos pitorescos como o umbigo de banana, virou preferência na comunidade. E também dos visitantes. “A ideia do negócio veio quando a gente via a cara boa do turista comendo a biquinho nas nossas comidas”, conta Pedro Fernandes.
Há ainda dentro da fazenda uma confecção que faz produtos para animais contratada por um empresário do mercado pet. Artesãs produzem tapetes e colchas a serem vendidos nos arredores.
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Crédito: Gil Leonardi/Imprensa MG

 

As atividades podem ser trocadas segundo necessidade ou mudança de interesse, desde que haja pessoal para fazer de tudo. A renda é repartida igualmente entre os trabalhadores de cada grupo. E todos dividem os custos de alimentação, água, luz, impostos e demais gastos.

A arte é também importante meio de expressão na Noiva do Cordeiro. Durante a semana moradores participam de corais, teatro e aulas de música. Aos sábados há a tarde da viola.
Alexander Dias, de 22 anos, conta que o momento é também de troca afetiva. “É nessa hora que a gente pede desculpas, agradece e até faz homenagens. Uma vez fizemos um casamento surpresa para os noivos, que já moravam juntos e sonhavam com uma cerimônia para celebrar o amor” conta o jovem, que confessa ter dificuldades de sair da comunidade.


Para Paulo Almada Júnior, secretário de Estado de Turismo, investir no potencial de grupos como o da Noiva do Cordeiro é fundamental para reforçar o turismo sustentável e cultural: "A Noiva do Cordeiro não só ultrapassa diversidade do turismo como incrementa as ações em comunidades agrícolas tornando-as mais independentes e mais fortes", diz.

Mais velha do grupo e responsável por todos na fazenda, a matricarca Dona Delina Fernandes tem 74 anos e é neta da Maria Senhorinha. Ela nunca morou além dos limites da fazenda. E diz que aprendeu muito com os mais de 50 anos de isolamento total. “Ficar muito tempo apartado ensinou a viver bem e junto aqui na comunidade. E abrir as porteiras faz parte dessa etapa nova do aprendizado, verdade?

 

Veja a programação completa:

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Fonte: Agência Minas